quinta-feira, 18 de novembro de 2010

[sem título]

A estrada distraía o motorista tanto quanto o passageiro. Márcio se concentrava no trânsito quase inexistente para não deixar as lembranças da noite anterior afetarem novamente suas emoções. Se colocava num túnel de pensamentos para não pensar no que havia além do fim. Fernanda, ao contrário, deixava sua mente solta, formando um mosaico dos indícios que tinha para começar a caçada e dos eucaliptos que dançavam numa espiral infinita, nas margens da estrada.

- Você lembra a onde paramos para comer na sexta-feira? No almoço? – disse tirando-o o motorista da distração auto-imposta.

- Ah? Ah sim, foi naquele posto que parecia um aeroporto, na Castelo Branco... Esqueci o nome.

- Sim. Quem pagou a conta, você lembra?

- Não sei, dá uma olhada na minha carteira, veja se tem alguma nota.

- Uhm... Espero que não. – tirou um cartão verde da carteira – Você nem tirou o adesivo seu cartão. Você não o usa?

- Uso da minha ex-esposa. Tínhamos uma conta conjunta. Depois que separamos eu achei que fosse útil usar o nome dela. Então só mudei o endereço de correspondências para ela. Ela nunca perguntou sobre.

- De qualquer jeito não tem nada aqui. Deixa eu ver a do Fi. – sentiu uma pontada ao ver o sangue seco nela. Achou o que procurava. Nota do cartão de débito usado para pagar a conta dos três. Provavelmente foi assim que eles foram rastreados. Os dois mais velhos sabiam do perigo de usar cartões quando se está trabalhando numa investigação daquelas. Isso parecia tão óbvio que esqueceram-se de avisar o jovem. Sim, a culpa era deles, mesmo que indiretamente, pela morte do colega. Uma lágrima contida, quase seca, despontou no olho dela, que levou a mão sob o banco e pegou a garrafa de vodka que o falecido comprara, para acalmar os nervos. Márcio não precisou perguntar, ainda que não soubesse exatamente a causa do silencio da companheira percebeu a dor que a acometeu e apenas aumentou o volume do rádio.

Os três goles profundos que ela deu quase foram suficientes para turvar sua atenção, mas a velocidade que viu um veículo verde se aproximando, pelo retrovisor, chamou sua atenção. Márcio nunca dirigia abaixo dos cento e dez quilômetros por ora. Quem quer que fosse estava muito acima disso. Era questão de segundos para serem alcançados, o suficiente para inverter a garrafa na mão e buscar o zippo no console do carro. Quando os perseguidores emparelharam, pelo acostamento, ela arremessou a garrafa pela janela, que não quebrou, mas molhou o suficiente o motorista e o passageiro, que carregavam uma Uzi e uma Mac 10. O isqueiro foi logo depois e a ação rápida foi suficiente para retardar os tiros. Fernanda engoliu seco quando viu que o fogo não pegou. Ao menos tiraram a vantagem da emboscada do inimigo.

Um riso despontou no canto da boca de Márcio, que apertou o acelerador do Kadete alugado e a resposta foi instantânea.

- Fer, temos uns seis minutos para tirá-los da nossa cola. Tem um posto policial à frente. Eles estavam bem armados?

- Duas submetralhadoras. – enquanto pegava o Magnun .44 no porta-luvas. – Como estamos descuidados... Maldição! – E disparou duas vezes contra o parabrisa dos perseguidores, sabendo que o grosso calibre o estilhaçaria, a não ser que fosse à prova de balas. Preferiu contar que não fosse.

Acertou. Num instante o vidro estava todo branco das rachaduras, e o passageiro levou algum tempo para reagir e chutar o bloco todo para fora. O motorista, sem visão, manteve o curso do carro pro tempo o suficiente para ter sua cabeça na mira da Fernanda. Assim que voltou a ver a pista teve seu crânio estourado. O corpo tombou sobre o volante que virou bruscamente o que, a duzentos quilômetros por hora, significou uma espetacular capotagem.

- Menos de um minuto! Você é fantástica. Vamos lá ver quem são, antes que a polícia rodoviária chegue. Temos uns três minutos no máximo.