segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Medida do Amor

- O que você faria por mim?
- Faria tudo por você, enquanto você não me pedisse nada.
- Tudo, tudo mesmo?
- Faria. Quer dizer. Houve um tempo em que eu faria. Acho que não mais.
- Puxa, mas por que?
- As coisas acabam, né? - olhou no relógio - Bom, é minha hora. Até um dia!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

[sem título]

A estrada distraía o motorista tanto quanto o passageiro. Márcio se concentrava no trânsito quase inexistente para não deixar as lembranças da noite anterior afetarem novamente suas emoções. Se colocava num túnel de pensamentos para não pensar no que havia além do fim. Fernanda, ao contrário, deixava sua mente solta, formando um mosaico dos indícios que tinha para começar a caçada e dos eucaliptos que dançavam numa espiral infinita, nas margens da estrada.

- Você lembra a onde paramos para comer na sexta-feira? No almoço? – disse tirando-o o motorista da distração auto-imposta.

- Ah? Ah sim, foi naquele posto que parecia um aeroporto, na Castelo Branco... Esqueci o nome.

- Sim. Quem pagou a conta, você lembra?

- Não sei, dá uma olhada na minha carteira, veja se tem alguma nota.

- Uhm... Espero que não. – tirou um cartão verde da carteira – Você nem tirou o adesivo seu cartão. Você não o usa?

- Uso da minha ex-esposa. Tínhamos uma conta conjunta. Depois que separamos eu achei que fosse útil usar o nome dela. Então só mudei o endereço de correspondências para ela. Ela nunca perguntou sobre.

- De qualquer jeito não tem nada aqui. Deixa eu ver a do Fi. – sentiu uma pontada ao ver o sangue seco nela. Achou o que procurava. Nota do cartão de débito usado para pagar a conta dos três. Provavelmente foi assim que eles foram rastreados. Os dois mais velhos sabiam do perigo de usar cartões quando se está trabalhando numa investigação daquelas. Isso parecia tão óbvio que esqueceram-se de avisar o jovem. Sim, a culpa era deles, mesmo que indiretamente, pela morte do colega. Uma lágrima contida, quase seca, despontou no olho dela, que levou a mão sob o banco e pegou a garrafa de vodka que o falecido comprara, para acalmar os nervos. Márcio não precisou perguntar, ainda que não soubesse exatamente a causa do silencio da companheira percebeu a dor que a acometeu e apenas aumentou o volume do rádio.

Os três goles profundos que ela deu quase foram suficientes para turvar sua atenção, mas a velocidade que viu um veículo verde se aproximando, pelo retrovisor, chamou sua atenção. Márcio nunca dirigia abaixo dos cento e dez quilômetros por ora. Quem quer que fosse estava muito acima disso. Era questão de segundos para serem alcançados, o suficiente para inverter a garrafa na mão e buscar o zippo no console do carro. Quando os perseguidores emparelharam, pelo acostamento, ela arremessou a garrafa pela janela, que não quebrou, mas molhou o suficiente o motorista e o passageiro, que carregavam uma Uzi e uma Mac 10. O isqueiro foi logo depois e a ação rápida foi suficiente para retardar os tiros. Fernanda engoliu seco quando viu que o fogo não pegou. Ao menos tiraram a vantagem da emboscada do inimigo.

Um riso despontou no canto da boca de Márcio, que apertou o acelerador do Kadete alugado e a resposta foi instantânea.

- Fer, temos uns seis minutos para tirá-los da nossa cola. Tem um posto policial à frente. Eles estavam bem armados?

- Duas submetralhadoras. – enquanto pegava o Magnun .44 no porta-luvas. – Como estamos descuidados... Maldição! – E disparou duas vezes contra o parabrisa dos perseguidores, sabendo que o grosso calibre o estilhaçaria, a não ser que fosse à prova de balas. Preferiu contar que não fosse.

Acertou. Num instante o vidro estava todo branco das rachaduras, e o passageiro levou algum tempo para reagir e chutar o bloco todo para fora. O motorista, sem visão, manteve o curso do carro pro tempo o suficiente para ter sua cabeça na mira da Fernanda. Assim que voltou a ver a pista teve seu crânio estourado. O corpo tombou sobre o volante que virou bruscamente o que, a duzentos quilômetros por hora, significou uma espetacular capotagem.

- Menos de um minuto! Você é fantástica. Vamos lá ver quem são, antes que a polícia rodoviária chegue. Temos uns três minutos no máximo.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Frankestein Íntimo

- Break another little piece of my hearth, babe! - só para quebrar o gelo.
- Mentira. - seca - Você nem tem mais isso.
- Ok, isso me pegou...
- Só que vou lhe dizer uma coisa. Você finge bem pra caralho.
- Não é bem assim, Broto. - chamava todas assim - Eu me apaixono, você sabe disso...
- Você diz isso! - letras capitais - Só que não é a "paixão" que a gente quer que seja. Não que você minta, mas nem você mesmo sabe o que se passa nesse seu coração. Ai. - suspirou - No fim não passa de um pobre diabo...
- Puxa, sua mãe nunca lhe ensinou que sinceridade demais pode ser falta de educação?
- Já temos essa intimidade e nem me venha com esse olhar de cachorro sem dono.
- Ai meu pai, o que que eu falo pra você?
- Nad... uhmmmmmm - e o beijo calou a discussão, que só aumentava o hiato do prazer.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Abreviações

Pronto, ele já entregara a “caixinha de divórcio” à ela. Tirar da vista os vestígios físicos dela era necessário para recomeçar a vida. Não devolveu os presentes, o que seria indelicado, mas as coisas dela – da escova de dentes até a lingerie favorita – deveriam ir embora com ela. Ele tinha uma cicatriz que fez quando foi ampará-la num tropeço que ela deu quando faziam uma trilha. Ficava num lado das costas. Quanto à este vestígio ele não sabia ainda o que fazer, mas estava pensando numa tatuagem pra cobri-lo. O encontro era para isso, se livrar destas coisas. Apenas.

Ela achava que devia pelo menos dar as caras para ele, depois de que começou a sair com um cara que conheceu no curso de pintura e apenas ligou para dizer que tudo acabara e que já estava com outro. Faltou coragem para vê-lo arrasado, como sabia que ele ficaria ao ser dispensado. Era hora de encará-lo. Uma atitude digna, finalmente.

- Você não tem nada a dizer? Digo, além das recomendações para o Flok – o poodle que ele lhe deu no aniversário de três anos de namoro.

Uhm. Não.

– Não mesmo? Puxa, passei dias me preparando para isso. Você só queria me dar a caixinha?

– Bom, tem uma coisa sim. Aquela mensagem que você me mandou...

Ela sabia que devia tomar mais cuidado. Esperar um pouco mais antes de marcar o encontro. Escrever de modo mais frio. A mensagem que enviara no celular parecia com as que ela mandava no tempo em que estavam juntos. Fez tudo automaticamente. Que mancada. O lugar também foi uma falta de sensibilidade. Onde eles tomavam mate juntos ali, no fim da tarde. Quase toda tarde...

– Olha, eu não quis dizer nada de mais com ela, tudo bem? Foi só para a gente combinar de se encontrar. Se foi cedo demais...

– Não, não é disso que eu estou falando. Você lembra como ela terminava?

Ãh? Er... “Beijos”?

– Sim, mas pega o seu celular aí. Isso, olhe só como está escrito.

Oi podemos nos encontrar hj no super mate da pça dos cisnes? 18h. Sdd. Bjos.

– Vê esse seu “Bjos”?

– O que é que tem?

– Nunca mais faça isso. Beijos são para serem dados inteiros. Não é a toa que ele é parte inevitável no intercurso do amor! Abreviar um beijo é como... Uhm... – olhou para cima – Compor um martelo agalopado sem o último peônio.

– O que?! – Ele se esquecia ás vezes que nem todo mundo era formado em Letras ou escrevia poesias, como ele. Ela sempre implicou com isso, mas, por outro lado, também aprendia muito.

– É como ir à Cuzco e não passar por Machu Picchu. – Ele só queria se fazer entender. Ela que fosse num dicionário descobrir o que é um peônio.

– Entendi. Nossa mas...

– Sabe, algumas coisas não se deve abreviar. Beijos, sexo, amor são as principais. Sentimentos em geral. Exceto pelo ódio talvez, afinal numa dessas de fazê-lo por extenso você pode acabar matando alguém. – coçou o cavanhaqueCornetto também não podemos abreviar. Imagina só não comer a pontinha de chocolate? – Eles sempre disputavam o final do sorvete dele. Nos seus dias mais românticos ele cedia à ela. Os dela ela sempre comia. Naturalmente.

– Que bonito isso... – Piiii , apitou violentamente o celular. Era uma mensagem do novo namorado perguntando se ela chegaria na Temakeria à tempo. – Nossa, foi ótimo te ver, mas eu preciso ir.

Levantou-se rápido e ficou na dúvida se lhe dava ou não um beijo na bochecha. Não lembrava de tê-lo feito nos últimos quatro anos. Para que se tinha a boca? Passado um instante constrangedor, ajeitou a bolsa no ombro e saiu caminhando em passo firme, tomando cuidado para não tropeçar com a sandália de salto que escorregava nas pedras do caminho.

Tchau! – Ele acenou enquanto terminava seu mate com menta.

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Piiii. Era o celular dele.

Olá! Foi ótimo lhe ver hoje. Fazia tempo que eu não tomava aquele mate. Se estiver afim de ir lá de novo me avise, ok? Beijos.

Ele guardou o celular e sorriu.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Para não ficar parado...

Este texto tem alguns meses e eu nunca continuei ele. Ele é parte da história do Raphael, do Prólogo postado um pouco atrás. Digamos uma "cena dos próximos capítulos".

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As lágrimas dele caiam tão pesadas sobre seus ombros que ela tinha a impressão de que cada gota daquelas era capaz de erodir anos de história. A vida inteira dele fora acertada. Assim parecia quando os pequenos erros eram esquecidos - eles eram pequenos justamente por esta propriedade. No amor se aventurou pouco, pois acertara muito cedo e a maior parte de sua vida amorosamente ativa foi ao lado de Anaris. Sim, teve uma vida tão feliz quanto era possível. Agora não tinha mais nada.

- Raphael, essas mudanças vêem para todos. Até para ela.

- Eu sei. - disse resignado - Não me importa mais. Digo, não faz mais diferença. Não choro por ela. Choro pelos sonhos enterrados e nunca realizados. É próprio dos homens matar os sonhos, não é? - Narin conhecia aquele tom de tristeza irônica. Não que aquilo fosse inédito, mas justo nele que há não mais de três estações cantava a vida e atraia sorrisos de inveja, apenas pela sua felicidade. Um felicidade indolente, mas ainda assim felicidade.

domingo, 18 de outubro de 2009

Lar

Ninguém viu como o forte fora invadido. A maior parte dos soldados se deu conta apenas quando a morte já havia começado a gritar, próxima demais para ser evitada. Os invasores eram disciplina e eficiência. A primeira bala só foi disparada depois que as seguintes eram inevitáveis.

Havia ali um soldado, incompleto em seu coração, como qualquer outro. Carregava no peito um vazio antigo. Um vazio que não seria incômodo se nunca tivesse sido preenchido. Se lembrava de um tempo em que as coisas eram agradavelmente complicadas. Mil possibilidades. Eram muitos os caminhos que tinha pela frente, e a indecisão era suficiente para fazê-lo feliz e ocupar seu futuro. Depois que tudo fora tirado ainda mais estradas se abriram – todas na verdade. E as escolhas acabaram. Só o que restara era seguir em frente. Não importava mais que caminho trilhasse.

Reagiu a tempo. Atuara como sentinela por três anos e tinha o que precisava para ser promovido além desta função. Ele tinha a Visão, como eles chamavam aquele sentido que nos alerta do perigo eminente antes deste o ser. Com os calcanhares golpeou a grade de metal sobre a qual se encontrava, projetou-se de forma a conseguir alcançar o corrimão da plataforma superior – a tempo de evitar a rajada de chumbo que tomou a vida de seus dois companheiros, que não tinham a Visão. Ao cair, pisando em terreno não firme – carne – disparou seu rifle contra as sombras. Quatro inimigos eliminados, duas baixas. Estava em vantagem, mas ainda não era uma matemática que lhe agradava.

Treinou a vida inteira para momentos como aquele, sempre ansiando por fazer valer sua habilidade, mas sempre que o fazia desejava nada tivesse acontecido, que fosse apenas umas das suas fantasias de garoto. Realizou incontáveis movimentos iguais, inúmeras vezes, mas agora não repetia nenhum. Cada ato, cada gesto, cada reação era inédita. Seguiu em frente, contornando a morte da mesma maneira que um rio evita rochas, as envolvendo e as tomando como parte de seu fluxo, com a diferença que às suas margens nada brotava – perecia.

O cheiro do couro foi o que o alertou desta vez, não a Visão. Os soldados daquele lado não possuíam nada de couro além de seus coturnos, todos velhos – só podiam ser os invasores. Eles tinham motivos para ostentar orgulho naquela guerra. Havia um vão na parede, em que um homem do seu tamanho poderia entrar lado, mas deixando parte dos ombros à vista. Para enxergar não era necessário apenas luz, mas a conexão com o objeto, e isso aqueles dois soldados não tinham. Passarem reto por ele e tombaram antes que dessem três passos adiante.

Não restara mais nada do seu passado, o que não era o caso dos outros. Isso lhe conferia uma vantagem. Não importavam as ambições de um homem em meio a guerra. Nem o que deixara para trás. Nem seus amores. Nada importava. Naquela altura da guerra, nem as razões da mesma – era apenas uma questão de sobreviver. Ou matar. Numa dança sem emoção, ele bailava entre colunas e tiros, entre missões e sonhos – todos alheios. Ele não pararia até que o seu corpo fosse o único ainda fresco naquele forte.

Atravessar o pátio central seria suicídio, mas ele já era um cadáver, não haveria chances de sobreviver entocado na Ala Leste e suas poucas janelas gradeadas. O inimigo teria todo o tempo do mundo, assim como os explosivos que tomara junto da base. Não sabia quantos restavam e nem quanto miravam o caminho que percorreria. Os tiros que soaram foram o sinal que precisava. Não seguiu em linha reta. Ziguezagueou em volta dos veículos e caixas, atirando sempre que sua arma ouvia um chamado, e antes de passar da metade do percurso, ouviu o clique do fim da munição, e já era seu segundo carregador. O último. Seguiu pelo restante do caminho sem disparar, evitando as trajetórias mais prováveis de balas. Já estava próximo à entrada da Ala Oeste e viu que não passaria pela porta sem que o soldado que estava na plataforma sobre ela lhe atingisse e, com um mergulho, se lançou ao corpo de um inimigo que tombara lá de cima há pouco – sem saber se por suas balas ou não –, alcançou a arma que ele carregava à cintura e disparou três vezes. O grosso calibre fez com que caíssem os miolos nele, além dos pedaços de osso e sangue. Estava muito próximo e agora o cheiro poderia denunciá-lo, teria que ser mais rápido. Achou curioso usarem armas daquele porte numa missão de assalto.

Tudo não durou mais que o tempo de uma cópula. Ouvir o som das cigarras lhe atentou para o fato que era o único sobrevivente. Rostos em silêncio jaziam aos seus pés. Pela primeira vez em anos algo lhe preenchia. O odor de morte lhe acariciou as narinas e ele se sentiu completo de uma forma diferente, como nunca fora. Não era melhor do que no tempo em que era feliz, mas por alguma razão agora se sentia em casa.

Livre

Outro membro. Ansiosa, abocanhou, sedenta pelo sabor da liberdade. Não era muito diferente de antes. Talvez fosse pior. O cheiro mais forte, uma deformidade na base da cabeça – ela se lembrou do primeiro. Não era hora de pensar nisso. O cacete em si não era a questão, mas como ele seria usado.

A penetração não doeu. Não sentiu aquele ardor agradável. Já estava muito excitada para isso, e as repetidas entradas que se seguiram a surpreenderam apenas porque eram normais, sem nada de diferente, talvez o novo.

Fez posições que, apesar de não estar acostumada, não eram inéditas. Boca, língua, bolas, bunda, dedos – tudo novo, mas uma sensação de mesmo, vazio.

Depois, deitada ao lado do sujeito apaixonado, recordou toda uma vida em que realizara aquele ato, com constância e ardor, sempre ansiosa por mais. Um tempo em que a única preocupação era esperar a próxima situação propícia ou que o pinto amado se levantasse, pronto novamente para adentrá-la. Ainda poderia ter muito sexo. Aliás, era melhor que antes - tinha para si todos os caralhos do mundo.

Apesar de tudo, lembrou-se dele até seu último dia trepando.